Governo quer encerrar saque-aniversário e usar multa de 40% do FGTS como garantia no consignado

Governo trabalha para que essa modalidade esteja disponível aos trabalhadores no primeiro semestre do ano que vem. Se aprovado novo formato, consignado ao setor privado poderia ser buscado também por empregados domésticos

O governo pretende enviar ainda neste ano ao Legislativo uma proposta para acabar com o saque aniversário do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e para alterar as regras do empréstimo consignado (com desconto nas folhas de pagamento) ao setor privado, incluindo o uso da multa rescisória de 40% dos trabalhadores como garantia.

A expectativa, segundo o ministro interino do Trabalho, Francisco Macena, é que o consignado ao setor privado, com contratação facilitada e mais garantias, substitua a linha de crédito que os bancos ofertam atualmente na antecipação do saque aniversário do FGTS — que o Ministério do Trabalho quer extinguir.

Essa linha de crédito, com a cobrança de juros pelos bancos, é usada quando os trabalhadores buscam antecipar as parcelas do saque aniversário dos próximos anos, dando como garantia o valor a que têm direito anualmente.

"Eu não acredito que seja medida impopular [o fim do saque aniversário], porque nós estamos dando uma outra alternativa [empréstimo consignado]. A ideia é que o consignado possa substituir, a taxas similares, a alienação do saque aniversário", disse Francisco Macena, do Ministério do Trabalho, ao g1 na última semana.
Para ter validade, a proposta, que ainda não foi formalmente apresentada, precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional.


O governo trabalha para que essa modalidade esteja disponível aos trabalhadores no primeiro semestre do ano que vem.

Pela projeto do governo, os empregados da iniciativa privada poderão comprometer até 35% de sua remuneração bruta mensal, o que inclui benefícios, abonos e comissões, com o novo modelo de consignado.

O FGTS é direito de toda pessoa com contrato de trabalho formal, trabalhadores domésticos, rurais, temporários, intermitentes, avulsos, safreiros e atletas profissionais. Trata-se de um valor de 8% do salário que é depositado pelo empregador, mensalmente, em nome do funcionário.

O saque do FGTS é permitido em situações específicas estabelecidas por lei, como demissão por justa causa, compra da casa própria e doença grave do trabalhador ou de seu dependente. Quem optou pelo saque aniversário, tem regras diferentes.

>> Veja a diferença entre o saque aniversário e saque rescisão do FGTS ao fim dessa reportagem

Governo quer substituir saque-aniversário do FGTS por ampliação do crédito consignado


Mais garantias
O ministro interino do Trabalho explicou que a estratégia do governo para baixar a taxa de juros do consignado ao setor privado é ampliar as garantias, que passarão a englobar a multa rescisória de 40% do FGTS nas demissões sem justa causa, e, também, uma parte dos recursos que o empregado tem no fundo (percentual ainda não definido). Ou seja, no caso de demissão, os trabalhadores deixariam de receber esses recursos para pagar os empréstimos.

Se a multa rescisória e parte dos recursos do FGTS ainda não forem suficientes para cobrir o valor do empréstimo contraído nos bancos, a parte que falta ficará em suspenso até o trabalhador encontrar um novo emprego, e voltará a ser cobrada posteriormente em prestações mensais. É a chamada "portabilidade" do consignado, sobre a qual incidirá juros e correção monetária.

Com essas mudanças, Francisco Macena informou que o governo espera reduzir a taxa de juros para um patamar próximo ao valor cobrado dos aposentados e servidores públicos no consignado.

Veja a taxa média de juros cobrada no crédito consignado em agosto, segundo dados do Banco Central:

Servidores públicos: 1,73% ao mês, ou 22,8% ao ano;
Aposentados do INSS: 1,64% ao mês, ou 21,5% ao ano;
Trabalhadores do setor privado: 2,73% ao mês, ou 38,1% ao ano

Facilidade de contratação
Pela proposta do governo, os empréstimos consignados ao setor privado poderão ser feitos pelos trabalhadores diretamente na carteira de trabalho digital, sem a necessidade que existe atualmente de os empregadores fecharem acordos com as instituições financeiras.

"Nós vamos ofertar o crédito [dos bancos] pela carteira digital. Nós temos hoje 68 milhões de carteiras ativas, porque, de alguma forma, interage com o Ministério Trabalho, onde a gente de a gente fornece é informações do seguro-desemprego, do abono", declarou o ministro interino do Trabalho, Francisco Macena.
De acordo com ele, várias instituições financeiras poderão fazer ofertas de empréstimos aos trabalhadores, informando a taxa de juros, dentro plataforma da carteira de trabalho digital. Com isso, será possível comparar as propostas e escolher a mais vantajosa.

"Não é um leilão reverso porque não tem repique, é uma única oferta. Porque senão ficaria uma negociação interminável", disse Macena.

Caberá ao empregador separar mensalmente o valor do empréstimo do salário dos trabalhadores e enviar os recursos para a Caixa Econômica Federal, responsável por fazer o repasse aos bancos.

Alcance
Dados do Ministério do Trabalho apontam que cerca de 27 milhões de trabalhadores optam, atualmente, por contratar a linha de crédito de antecipação do saque aniversário do FGTS nos bancos, deixando com as instituições financeiras a maior parte dos empréstimos por conta do pagamento de juros e do seu uso como garantia.


Francisco Macena, do Ministério do Trabalho, lembrou que o FGTS é uma fonte de recursos para obras em infraestrutura, saneamento básico, mobilidade urbana e habitação. Se o saque aniversário for mantido, afirmou ele, há uma estimativa de que o fundo perca R$ 200 bilhões até 2030, afetando esses investimentos.

Com a mudança das regras do consignado ao setor privado, o governo espera que os empréstimos estejam disponíveis para quase 70 milhões de pessoas registradas no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), abrangendo celetistas, autônomos e, também, pela primeira vez, empregados domésticos.

A projeção do Ministério do Trabalho é de que o saldo de empréstimos ao setor privado, por meio do consignado, salte dos atuais R$ 40 bilhões (valor de agosto) para, ao menos, R$ 200 bilhões no médio prazo (em até cinco anos). Com isso, o valor ficaria mais próximo do estoque de empréstimos aos aposentados (R$ 270 bilhões) e aos servidores públicos (R$ 362 bilhões).

Procurada pelo g1, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) informou não ter uma estimativa sobre quanto a modalidade poderia atingir em empréstimos, mas acrescentou que o produto "tem grande potencial para estimular os bancos a ofertarem essa linha".

Saque aniversário, antecipação e saque rescisão; entenda

A Caixa Econômica Federal informa, em seu site, que há duas modalidades de saque do FGTS, o saque rescisão, considerada padrão, e o saque aniversário, que é uma opção aos trabalhadores.

Saque-Rescisão – sistemática na qual o trabalhador, quando demitido sem justa causa, tem direito ao saque integral da conta do FGTS, incluindo a multa rescisória, quando devida. Trata-se da modalidade padrão em que o trabalhador ingressa no FGTS.
Saque-Aniversário – sistemática opcional onde anualmente, no mês de aniversário, o trabalhador pode sacar parte do seu saldo de FGTS. Caso o trabalhador seja demitido, poderá sacar apenas o valor referente à multa rescisória e não poderá sacar o valor integral da conta.
Segundo o banco, o trabalhador que optar pelo Saque-Aniversário do FGTS pode, por meio do aplicativo do FGTS, solicitar o retorno à modalidade Saque-Rescisão, desde que não haja operação de antecipação contratada. No entanto, a mudança só terá efeito a partir do primeiro dia do 25º mês após a data da solicitação de retorno, ou seja, após dois anos.

Caso queiram, os optantes do saque aniversário podem antecipar as parcelas dos próximos anos, dando como garantia o valor a que têm direito anualmente. Para isso, buscam a contratação da operação de crédito nos bancos, que cobram juros.