Excesso de garantias em hipotecas judiciárias

A presente pesquisa trata-se de um estudo a respeito da jurisprudência brasileira em casos de Excesso de Garantias que recai sobre hipotecas judiciárias

A presente pesquisa trata-se de um estudo a respeito da jurisprudência brasileira em casos de Excesso de Garantias que recai sobre hipotecas judiciárias e, consequentemente, breve análise acerca do tema hipoteca (judiciária), para que assim, nos seja possível conquistar uma compreensão mais aprofundada da gama de elementos que perfazem o solo onde essa garantia pode pousar, repousar ou incidir – no que tange à satisfação de uma obrigação do devedor. A pesquisa será concluída com um curto arrazoado a respeito dos fatos estudados e dos levantamentos feitos para a sua elaboração.

A HIPOTECA JUDICIÁRIA

Brevemente, necessário expor o que seria a hipoteca judiciária e no que esta consiste. Pois, a hipoteca judiciária define-se, sumariamente, como uma garantia sobre direito real, ou ainda como um direito real de garantia, que se torna responsável por criar um vínculo entre uma prestação obrigacional (ou tão somente o cumprimento de uma obrigação) com um bem alheio a tal prestação. De maneira mais genérica, isto é dizer que o credor grava o bem do devedor, visando com isso garantir que este cumpra, satisfaça a sua obrigação que é devida para com o credor.

Então, nos parece razoável dizer que, é uma vinculação de um bem subsidiário a uma relação jurídica a priori, que visa estipular uma [maior] garantia ao processo de execução de atendimento, vide exercício da obrigação pleiteada, outrora contraída entre as partes.

DAS ESPÉCIES DE HIPOTECA

Doutrinariamente, nota-se a existência de três espécies/modalidades de hipoteca, quais sejam: i) hipoteca convencional; ii) hipoteca legal; e iii) hipoteca judiciária.

Explica-se a primeira modalidade como aquela que, como o nome já bem o sugere, é estipulada por uma convenção da vontade de ambas as partes. A segunda leva tal nome (legal) por ser aquela estipulada por força de lei. Já a última modalidade supracitada, tem a característica de ser determinada com base em uma decisão judicial.

DO DISPOSITIVO E SUA UTILIZAÇÃO

Temos, atualmente, como base de regulamentação deste dispositivo de hipoteca o art. 495 do CPC de 2015, todavia, antes este era regulado pelo art. 466 do CPC de 1973, que abordava a matéria em questão de maneira mais superficial e menos abrangente, por ter sua redação dada como:

Art. 466. A sentença que condenar o réu no pagamento de uma prestação, consistente em dinheiro ou em coisa, valerá como título constitutivo de hipoteca judiciária, cuja inscrição será ordenada pelo juiz na forma prescrita na Lei de Registros Públicos.

É possível notar a presença, por óbvio, do cerne da lógica que diz respeito à hipoteca judiciária, porém o novo CPC é inovador, razoavelmente, no que tange à celeridade, quando nos traz que:

Art. 495. A decisão que condenar o réu ao pagamento de prestação consistente em dinheiro e a que determinar a conversão de prestação de fazer, de não fazer ou de dar coisa em prestação pecuniária valerão como título constitutivo de hipoteca judiciária.

Além de abrir espaço para uma factível celeridade, a nova redação do dispositivo trata a aplicação deste de maneira mais ampla, podendo ser enquadrada em situações em que a prestação não se limita a dinheiro ou coisa, mas indo além, pode ser constituída, também, por fazer, não fazer e dar coisa em prestação pecuniária. A celeridade aqui apontada, se dá pelo fato de o artigo dispensar em sua redação o ordenamento, por parte do juiz, da inscrição. Há aqui uma entrega de autonomia de ação dada ao credor, podendo este decidir pelo registro – ou pelo não registro – da hipoteca. Para maior entendimento da aplicação da hipoteca judiciária, tem-se a explanação no § 2.º do mesmo artigo:

§ 2º A hipoteca judiciária poderá ser realizada mediante apresentação de cópia da sentença perante o cartório de registro imobiliário, independentemente de ordem judicial, de declaração expressa do juiz ou de demonstração de urgência.

Os parágrafos seguintes trazem mais detalhes do procedimento da hipoteca em si, os quais aqui não serão abordados, haja visto a intenção desta seção de ser um breve estudo, sem mais minuciosos pontos do procedimento hipotecário. Outrossim, mais aspectos coligados à hipoteca serão abordados a seguir.

O EXCESSO DE GARANTIAS

Para falarmos de excesso de garantias, precípuo primeiro explicar o direito real de garantias, o que nos obriga a retornar a algo que já foi dito ao início; o nosso entendimento, resumido, do que seria a garantia, vide: a subjunção de uma coisa – do devedor – à possibilidade de "retenção" desta pelo credor, em razão do vínculo obrigacional contraído por meio do contrato firmado inter partes. Utiliza-se retenção de maneira cautelosa, pois não é assim literalmente. O que ocorre, a bem da verdade, é a subsistência de um direito de preferência que detém o credor em face do devedor, agregando assim à relação jurídica uma maior proteção; uma maior segurança jurídica.

OS DIREITOS REAIS DE GARANTIA

Observa-se a possibilidade de incidência do dito direito real de garantia em três fenômenos/dispositivos jurídicos, quais sejam, a anticrese, a penhora e a hipoteca. Notoriamente, este trabalho trata do estudo desta última categoria. A hipoteca é então isso, uma modalidade de direito real de garantia, que é utilizada para beneficiar o credor em face do devedor. Isso se dá de modo natural, pois há, diga-se, ipsis literis, a sujeição de parte do patrimônio do devedor ao credor (parte do patrimônio que, outrora, não era diretamente interligada àquela obrigação constante no contrato). Justo dizer, a bem da verdade, que a execução da hipoteca não é elemento pré-contratual; ela é acionada, ou adicionada à relação das partes quando já litigiosa, leia-se, a partir da constatação do inadimplemento obrigacional. Há, claro, requisitos a serem observados quanto à admissibilidade da hipoteca. Vide, como exemplo, a impossibilidade de se dar bens de família em garantia ao negócio jurídico.

Partimos agora para a exposição dos efeitos dos direitos reais de garantia. São eles:

a) PRIVILÉGIO/PREFERÊNCIA: há (para os credores possuidores de direito real de garantia) a ordem privilegiada nos casos de processos de falência ou insolvência, i. e., quando estes processos ocorrem, os pagamentos aos credores com tal direito se dão de maneira privilegiada, leia-se "primeiro".

b) SEQUELA: o direito de sequela é próprio dos direitos reais e caracteriza-se por ser a possibilidade, ou admissão, da continuidade de afetação de um bem, por mais que este seja transmitido para terceiros – ora, o direito de sequela, por sequela o ser, acompanha a coisa, adere-se ao bem, indefinidamente, extinguindo-se, obviamente, com a satisfação da obrigação.

c) EXCUSSÃO: de modo direto, é a execução judicial da dívida garantida. Um exemplo disso é a apreensão do bem para que se prossiga com o leilão e, com o valor deste, efetua-se o pagamento ao credor.

d) INDIVISIBILIDADE: salvo exposição plena em contrário, a garantia abrange todo o bem oferecido.

São estes os efeitos, explanados de maneira breve, porém, quando se dá o excesso de garantias no processo de execução? Buscamos vencer esta questão na próxima seção da pesquisa.

O EXCESSO EM SI

Notamos o excesso como um exagero que se insere no corpo das garantias processuais, como uma majoração do que é devido. Situação como essa poderia ser vista, analogamente, como uma espécie de bis in idem, i. e., a dupla valoração de um fato; com as devidas diferenças, note-se como a dupla valoração de um mesmo débito, de um mesmo inadimplemento.

Constata-se isso, no plano fático, quando o valor do bem (ou dos bens) posto em garantia ultrapassa (em muito) o valor inicial da dívida, da prestação da obrigação. O principal problema talvez seja a ausência de uma espécie de régua, sem juízo de valor, que possa medir ou mensurar até que ponto um bem, em seu estado de garantia, pode ultrapassar o valor daquilo que é inicialmente devido. Parece razoável, para o sistema jurídico brasileiro, que os bens sujeitos ao regime de garantia excedam ao valor da obrigação primária, porém até onde? Quando configura-se, efetivamente, o excesso, se (de maneira velada?) o excesso, em até certo ponto, é permitido? No sentido de sanar esta dúvida, dirigiu-se a presente pesquisa.

Julga-se importante fazer menção ao §5.º do art. 495 do CPC de 2015, que já dá uma ideia do procedimento que poderia ser adotado em face de um excesso, porém não de maneira expressa, e sim de um modo mais análogo – no nosso entendimento. Vide:

§ 5º Sobrevindo a reforma ou a invalidação da decisão que impôs o pagamento de quantia, a parte responderá, independentemente de culpa, pelos danos que a outra parte tiver sofrido em razão da constituição da garantia, devendo o valor da indenização ser liquidado e executado nos próprios autos.

Seria então razoável a proposição de indenização em casos de excesso de garantias, mas ainda resta para nós a desconfiança de que a dificuldade está em se comprovar este excesso. Parece de boa monta, alegar que toda vez em que há o transbordamento considerável ou exorbitante do valor devido, é possível falar-se em excesso de garantia. Entrementes, válido ainda dizer que o excesso da garantia, com base no art. 915 do CPC, poderá ser alegado dentro do prazo de 15 dias, a partir da intimação. Ademais, o art. 917 do mesmo código, em seu inciso III, regula que o executado pode alegar o excesso de execução ou cumulação indevida de execuções; nos servindo como complemento então, finalmente, o §2.º do supracitado artigo, que delimita as formas do excesso de execução, a saber:

§ 2º Há excesso de execução quando:

I - o exequente pleiteia quantia superior à do título;

II - ela recai sobre coisa diversa daquela declarada no título;

III - ela se processa de modo diferente do que foi determinado no título;

IV - o exequente, sem cumprir a prestação que lhe corresponde, exige o adimplemento da prestação do executado;

V - o exequente não prova que a condição se realizou.

Mais valiosas para os fins desta pesquisa as descrições evidenciadas nos incisos I e II acima, que tratam objetivamente dos excessos de garantias que podem ocorrer nas modalidades de hipoteca (e análogas, já relatadas neste estudo). Pesquisamos a jurisprudência em casos de excesso de garantias em hipoteca e, como maneira de enriquecer os resultados, em penhora. Tivemos mais resultados na busca de excesso em penhora, de modo que se citam os seguintes acórdãos, decisões e afins:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA. EXCESSO. VERIFICAÇÃO. PERCENTUAL. LIMITAÇÃO. CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. ACÓRDÃO RECORRIDO. FUNDAMENTO. IMPUGNAÇÃO. AUSÊNCIA. SÚMULA Nº 283/STF. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Na hipótese, a desconstituição do acórdão recorrido para declarar o excesso de penhora ou mesmo para limitar a constrição a determinado percentual, por depender da comparação da dívida atualizada com o resultado da perícia que aferiu o valor do terreno em que o shopping foi construído e das receitas advindas dos contratos de aluguel das lojas que compõem o empreendimento, exigiria o reexame do contexto fáticoprobatório dos autos, a atrair o óbice da Súmula nº 7/STJ. 3. A ausência de impugnação de fundamento suficiente do acórdão recorrido, calcado no oferecimento voluntário dos direitos creditórios decorrentes das locações dos espaços de uso comercial como garantia na celebração do negócio, atrai a aplicação da Súmula nº 283/STF. 4. Recurso especial não conhecido. (REsp 1705387/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/02/2021, DJe 25/02/2021). APELAÇÃO CÍVEL. REVISÃO DE CONTRATO. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE GARANTIA HIPOTECÁRIA. DESCABIMENTO. I. O pagamento de uma ou mais prestações da dívida não importa na exoneração da garantia, ainda que esta compreenda vários bens, salvo disposição em contrário, situação inocorrente à espécie. II. Alegação de excesso de garantia ou abusividade que não comporta guarida. III. Em que pese o estado de saúde do recorrente e a alegação de necessidade de venda do imóvel de matrícula nº 6.650, tais desideratos não são suficientes para afastar o cumprimento do contrato firmado com a instituição financeira. IV. Sentença mantida. V. Verba honorárias ucumbencial majorada. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70077587855, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ergio Roque Menine, Julgado em 25/10/2018).

(TJ-RS - AC: 70077587855 RS, Relator: Ergio Roque Menine, Data de Julgamento: 25/10/2018, Décima Sexta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 30/10/2018). AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENHORA. BENS GRAVADOS COM HIPOTECA. PREFERÊNCIA DOS CREDORES HIPOTECÁRIOS. EXCESSO DE PENHORA. INEXISTENTE. 1. A jurisprudência desta Corte entende que os credores hipotecários têm preferência sobre os credores sem garantia real que primeiro penhoram os bens. Por isso, é adequada a penhora em bens de valor superior à dívida executada quando tais bens estão gravados com várias hipotecas, para que os credores sem garantia consigam receber, ao menos, os valores residuais. 2. Agravo interno a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 416.512/PR, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 15/12/2016, DJe 02/02/2017). APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. INSTRUMENTO DE CRÉDITO COM GARANTIA HIPOTECÁRIA. EXCESSO DE GARANTIA. CONTRARRAZÕES. PRELIMINAR DE ALEGAÇÃO GENÉRICA: Não verificado no recurso violação do disposto no art. 514, inc. II do CPC. Afastada a preliminar contrarrecursal. DOCUMENTOS NOVOS: Não comprovou a parte autora que os documentos juntados com a peça recursal não eram existentes ao tempo do ajuizamento da ação, o que faz incidir a regra do artigo 517 do Código de Processo Civil. Documentos não conhecidos. CERCEAMENTO DE DEFESA: Desacolhe-se o recurso, no ponto, porquanto o alegado excesso de garantia poderá ser objeto de análise em momento posterior, no curso do feito executivo, não havendo qualquer prejuízo para a parte apelante. Julgamento antecipado da lide, sem a produção de prova pericial, que não implica cerceamento de defesa quando esta não era necessária ao julgamento da lide. EXCESSO DE GARANTIA: Ao tempo da formalização da avença as partes estavam de acordo com a constituição da hipoteca, seu valor e extensão, modo pelo qual o argumento de excesso não poderá ser admitido neste momento, quando ausente motivação suficiente para embasar o pedido. Há que se preservar a garantia fornecida que merece ser mantida. Eventual excesso de garantia poderá ser aferida em simples incidente processual de excesso de penhora. REJEITARAM A PRELIMINAR CONTRARRECURSAL. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. (Apelação Cível Nº 70069456358, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do... RS, Relator: Eduardo João Lima Costa, Julgado em 25/08/2016). (TJ-RS - AC: 70069456358 RS, Relator: Eduardo João Lima Costa, Data de Julgamento: 25/08/2016, Décima Nona Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 30/08/2016).

Notamos em nossa busca que, na maior parte dos embargos à execução que alegam a excessividade dessas garantias, o resultado é uma prevalência das garantias (talvez com os seus excessos) em detrimento dos devedores.

CONCLUSÃO

Após a elaboração do estudo, revisão detalhada da pesquisa e exercício de analogia jurídica com outras matérias processuais, à nossa visão, parece haver um déficit naquilo que diz respeito à atividade jurisprudencial (ou ainda judicial e judiciária mesmo) em relação às tratativas em casos de excessos de execução em hipotecas judiciárias. Nota-se que a hipoteca judiciária é um elemento que compõe o ordenamento jurídico brasileiro e em sua regulamentação, vide artigos citados e estudados, não nos salta uma deficiência, omissão ou irracionalidade do arcabouço legal. A ociosidade, se assim pode ser chamada, apresenta-se na outra extremidade do processo, não na previsão dos embargos à execução, mas sim na ausência de um parâmetro dosador que impeça a produção de excessos em garantias dentro de ações executórias. Interessante seria a projeção de um cômputo, por parte do judiciário, capaz de estipular um limite da manutenção de um valor excedente à obrigação devida; o que, sabidamente, é difícil quando há, de um lado a intenção de garantir um ganho e uma proteção econômica e, do outro, a necessidade de se promover uma prática justa da garantia das obrigações decorrentes de contratos.

Sobre o autor:

Fabricio de Sousa - Advogado no Vigna Advogados, Cientista do Trabalho pela Escola Dieese de Ciências do Trabalho/SP

Sobre o escritório:

Fundado em 2003, o VIGNA ADVOGADOS ASSOCIADOS possui sede em São Paulo e está presente em todo o Brasil com filiais em 15 estados. Atualmente, conta com uma banca de mais de 280 advogados, profissionais experientes, inspirados em nobres ideais de justiça. A capacidade de compreender as necessidades de seus clientes se revela em um dos grandes diferenciais da equipe, o que permite desenvolver soluções econômicas, ágeis e criativas, sem perder de vista a responsabilidade e a qualidade nas ações praticadas.